Entre o eterno retorno e a estática

Cantor, compositor, escritor, professor poliglota. As várias vozes e linguagens faladas por Carlos Machado, filho de Curitiba e discípulo de Dalton Trevisan, de quem teve a graça de ser interlocutor, transbordam nesta nova novela, “Esquina da minha rua” (7Letras, 2018). Leia a entrevista com o escritor.

 

Você é cantor, compositor, escritor e professor. Encara cada uma dessas atividades como profissão? Como dá conta de exercer cada uma delas e todas juntas?

 

R: Sim, elas estão ligadas umas com as outras. Não é uma condição de momento, senão uma condição da minha formação como ser humano e como cidadão. São formas de expressão diferentes, mas usadas para dizer coisas semelhantes. Não vejo nenhum problema com relação aos exercícios delas ao mesmo tempo, mas, naturalmente, é necessário que haja um desenvolvimento técnico em todas as modalidades de atividades que me interessam. Ou seja, eu estudo e exerço essas atividades há 25 anos, sempre explorando as possibilidades.

 

A cidade de Curitiba, onde nasceu, é personagem de seu novo livro, a novela Esquina da minha rua. Como é sua relação com a cidade e como ela lhe inspira literariamente?

 

R: O espaço em que vivem ou estão meus personagens é uma Curitiba que só existe nessas histórias. São pedaços da cidade, sensações que ela determina. Não existe essa cidade na realidade, é mítica. Poderia ser, na verdade, qualquer cidade, até mesmo porque é uma Curitiba inventada, ou melhor ainda, diria que é uma cidade forjada, falsa, que se mistura com a percepção dos personagens. Ou seja, é uma imagem, um cheiro. É o próprio personagem.

 

O escritor angolano José Eduardo Agualusa costuma dizer que todo escritor tem dois ou três temas que lhe são caros, e que aparecem em toda sua literatura. Qual tema permeia todos os seus livros?

 

R: O eterno retorno. E a estática. Engraçado que parece antagônico, mas são temas complementares, na verdade. Eu só percebi essa característica porque li um texto acadêmico sobre meus livros (até então). O paper discorre a respeito do fato dos personagens estarem sempre saindo do seu eixo, buscando algo para fora (como por exemplo no livro Passeios, como o próprio nome já diz, ou ainda Balada de uma retina sulamericana, um livro on the road que, na verdade, é um círculo… sai de um ponto e volta para o mesmo lugar, nem sempre a mesma pessoa), mas isso não significa que os personagens saiam, de fato, do sofá de suas casas (como no livro Poeira Fria, em que o personagem só consegue se deslocar fisicamente do sofá para debaixo da cama, nada mais).

 

O que lhe dá mais prazer, a música ou a literatura? Ou qual tipo de prazer cada uma é capaz de prover?

 

R: Prazer? Eu não tenho prazer fazendo literatura ou música. Sou desses que sofrem quando escrevendo ou compondo (ou fazendo shows etc.). Não faço literatura porque tenho prazer. Eu escrevo porque (clássica resposta) sou leitor, mas mais do que isso, porque (plagiando o Gullar) a vida não basta, sinceramente, não basta. Precisamos de mais. De outras realidades. De qualquer modo, não me lembro de ter ficado feliz porque estava escrevendo uma história ou compondo uma música. Sinto, sim, momentos de prazer, de felicidade (como na vida real), quando consigo uma boa solução para uma história, ou um caminho harmônico que me leva para uma melodia interessante (o que na verdade é a mesma coisa, entende? Ou seja, escrever e compor caminham de mãos dadas), mas são doses de prazer. De modo geral, é doloroso, cansa, me deixa muitas vezes sem energia nenhuma. Mas é necessário, justamente para que possa conseguir mais realidades para seguir adiante.

 

Você escreve bastante, tem vários livros publicados e muitos contos em antologias. Quando considera que um texto de sua autoria está pronto para ser publicado?

 

R: Aí está o meu maior sofrimento… nunca está. Jamais saio de uma releitura sem modificar algo (quando ainda dá tempo) … depois de publicado eu nem olho mais para o livro. A não ser quando me convidam para republicar algum conto ou trecho de alguma novela, aí eu releio porque sei que posso modificar algo. Sempre tem uma palavra em excesso aqui, uma palavra “quadrada” ali, complicado. Mas, de qualquer forma, não acho que eu escreva muito. O que acontece é que de 2006 a 2012 fiquei sem publicar. Ou seja, 6 anos escrevendo, mas não publicando. Então lancei o “Poeira Fria”, em 2012 e “Passeios”, em 2016. Enquanto isso continuei escrevendo (escrevo todos os dias, lembrando que escrever não significa apenas sentar diante do computador e digitar, mas também – e mais do que tudo – pensar, pensar, pensar). Além disso, meus livros nunca são longos. Não sei escrever histórias intermináveis… embora elas nunca acabem.

 

Você viaja bastante à Europa, por conta do trabalho como professor, e fala fluentemente seis idiomas. Como essa riqueza de canais de comunicação e apreensão de mundo ajuda na sua criação artística?

 

R: Sim, essa é uma riqueza pessoal muito importante para mim, é de onde tiro as palavras e as imagens para minhas histórias e canções. Eu preciso desse movimento (muitas vezes pendular) de cidade em cidade, de idioma em idioma, mas sempre com a necessidade de voltar para o meu sofá… (aí está a relação dos temas de minhas histórias). O jogo de palavras e idiomas está cada vez mais presente nos meus textos, muitas vezes os personagens falam em idiomas diversos, sem a necessidade de traduzi-los (o que exige um pouco dos leitores, naturalmente). Recentemente escrevi uma coletânea de contos (ainda inéditos) a partir de uma temporada na Suíça: As histórias desse livro surgiram todas a partir de um sonho que tive quando estava passando uma temporada na região de Oberaargau, na Suíça. Eu caminhava todos os dias, no final de tarde, pelos campos de girassóis, procurando pelas cores de Van Gogh, todas elas ali, diante de meus olhos: amarelo, azul, ocre, vermelho. Em um desses passeios, vi uma flor refletindo a luz do sol em uma pequena lata de óleo vazia colocada na estrutura de uma cerca que dividia uma fazenda de outra. Essa lata estava ali, provavelmente, para que, durante a chuva, pudesse ficar cheia de água e, assim, ser oferecida pelos fazendeiros aos cães que fazem a ronda por aqueles pastos. No meu sonho, a flor é que era de alumínio e todas as outras histórias vieram de suas pétalas.

 

 

– Valéria Martins

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