“A natureza das coisas” é o segundo livro de Marília Passos, autora também de “Azul e sombra” (Labrador). Nestes dois romances, prevalecem a intensidade das relações amorosas e uma pulsante sexualidade, que tornam a obra da autora um instigante e sensual exercício de literatura. Marília nasceu em Campinas (SP), é formada em teatro e dança, trabalhou como atriz e videomaker. Mas é na literatura que se realiza como artista.
Ao escrever, você poderia ser confundida com um homem, seja pelas temáticas elegidas ou pela narrativa, às vezes, um tanto nua e crua. De onde vem essa voz?
R: Escrever é se conectar com dimensões impalpáveis de nós, e é de lá que vêm as vozes que guiam meus livros. Uma hora um advogado sem escrúpulos, outra uma atriz cheia de sonhos. Acredito que essa é a magia da literatura: o acesso à camadas além daquilo que julgamos compreender.
O protagonista de “Azul sombra” é um homem atormentado e aparentemente viciado em sexo. O casal que se digladia para se entender, em “A natureza das coisas”, também pega fogo. A sexualidade é uma marca na sua literatura. É intencional?
R: Não é intencional. Quando vejo, meus personagens já estão pegando fogo. Verdade é que me divirto quando a temperatura sobe. Mas quero um dia escrever intencionalmente um livro com muito erotismo.
Você é atriz e trabalhou em filmes e novelas. Quando a literatura entrou em sua vida, e como ganhou espaço?
R: Um dia, saindo de um ensaio decepcionada com meu oficio, dei de cara com um papel que divulgava um curso de escrita criativa, com a Vera Bensalah. Nele, havia um texto que dizia para que serve a escrita. Aquilo grudou em mim, que sempre tinha feito do papel uma bengala para a vida, mas nunca pensado em escrever profissionalmente. Fiz cinco anos de curso com a Vera, e a medida que a literatura foi ganhando espaço, a carreira de atriz foi se diluindo.
Para que serve a escrita?
R: A escrita serve para fazer quem escreve feliz.
Quais livros marcaram sua vida de escritora? Existe algum autor vivo ou morto que admire? Por quê?
R: “O vermelho e o Negro”, de Stendhal, é meu grande livro. “O amante” de Maguerite Duras, também fez sua marca. “Lavoura Arcaica” impressionou pela força da escrita de Raduan Nassar. “Viva o povo brasileiro” (queria tanto ter conhecido o Ubaldo pessoalmente!), “Pastoral americana” e “O sol também se levanta”. Mas a lista não termina por aqui.
“A natureza das coisas“ está sendo transformado em audiolivro e você mesma irá gravá-lo. O que espera desse novo mercado?
R: Tenho uma expectativa afetiva com o audiolivro. Minha querida tia, quando ficou doente, ficava em casa ouvindo audiolivros. Ouvi a história de dois pacientes em um mesmo quarto de hospital, na qual o que ficava na janela contava para o outro tudo que se passava na rua. Quando o paciente da janela morreu, o outro foi transferido para sua cama. Para sua surpresa, a janela dava apenas para um muro. Histórias são feitas para voar e carregar consigo quem as ouve. O audiolivro é um recurso que permite a mais pessoas voar.
– Valéria Martins