Relacionamentos amorosos – vários, em diferentes formatos e encaixes – são o tema central do livro de contos Um amor, de William Soares dos Santos, autor também do volume de poesias rarefeito (Ibis Libris, 2015). O Rio de Janeiro, mais que cenário, é protagonista dessas histórias, proporcionando sensações e reflexões à luz da sensibilidade do autor. Muitas referências pontuam a obra: músicas, filmes, personagens e, principalmente, fotografias em preto e branco tiradas pelo próprio escritor. O livro está à venda na Livraria Travessa. Assista o booktrailer aqui.
Seus contos apresentam algumas das diversas formas de amar no mundo contemporâneo. De onde surgiram essas histórias?
As histórias presentes no livro surgem de minhas observações do cotidiano e de um desejo de se pensar a multiplicidade de relações amorosas do mundo contemporâneo. Obviamente, não abarquei todas elas. De forma bem indireta, as histórias também são frutos de minhas leituras pessoais de livros como Amor Líquido de Zygmunt Bauman e A Cidade Partida de Zuenir Ventura. Mas, ao contrário do que essas leituras possam indicar à primeira vista, no livro Um Amor, grande parte dos personagens buscam romper barreiras para amar, fazendo, quase sempre, da cidade do Rio de Janeiro um personagem importante dessa busca.
O conto “O amor da mãe pelo filho” narra uma história de superação em uma favela no Rio de Janeiro da década de sessenta. Esse conto requereu uma pesquisa histórica para retratar o período? Como foi?
Um dia, andando pelo Leblon com a minha mulher, ela me contou que o conjunto de prédios de classe média popularmente conhecido por “Selva de Pedra” havia sido uma favela conhecida como “Favela da Praia do Pinto”. Fiquei muito curioso e resolvi fazer uma investigação sobre essa história. Descobri que, durante o processo de desocupação, a favela foi incendiada, que a construção do conjunto habitacional conhecido como “Cruzada São Sebastião”, foi um dos resultados dessa desocupação e que grandes jogadores do Flamengo da década de oitenta teriam sido filhos de sobreviventes desse processo. No conto, decidi entremear a narrativa fictícia com trechos de jornais da época, buscando criar um efeito de verossimilhança que, espero, sensibilize o leitor.
As fotos que entremeiam os contos foram feitas especialmente para o livro? Como foi a produção dessas fotos?
No livro anterior eu já havia feito a aquarela que serviu de base para a capa e divisões internas. Para o novo trabalho, inicialmente, pensei em seguir pelo mesmo caminho e fiz uma aquarela do morro “Dois Irmãos” para a capa. Mas durante o processo percebi que o trabalho “pedia” outra configuração. Desde o início, havia decidido colocar uma foto antes de cada conto. O objetivo foi mais evocativo e menos ilustrativo. Para a capa resolvi tirar uma foto do “Dois irmãos”, respeitando a identidade do que havia sido pensado para o miolo do livro. Todas as fotografias foram tiradas por mim em um processo de descoberta da cidade e, nesse sentido, fotografia e escrita se confundem em meu olhar.
rarefeito foi seu primeiro livro, um volume de poesias. Agora publica contos. O próximo passo será um romance?
Estou trabalhando em vários projetos, mas sou incapaz de dizer qual deles sairá primeiro. Tudo depende de uma série de fatores como, por exemplo, negociação com agentes e editoras que, sobretudo nesses tempos de crise, têm procurado textos que venham ao encontro de seus interesses. O meu papel de escritor, seja qual for o gênero, tem sido o de trabalhar bastante para que os próximos textos tenham relevância e cumpram o seu papel de diálogo com os leitores.
Você lê literatura brasileira contemporânea? O que acha da produção atual?
Sem cair no lado deselegante da prática do “droping names”, acho que posso mencionar as minhas últimas leituras de autores brasileiros contemporâneos. Recentemente, li três livros de poesia muito interessantes: Escritos ao Sol de Adriano Espínola, A fronteira desguarnecida de Alberto Pucheu e Entrenervuras de Marco A. Saraiva. Li os romances Palavras Cruzadas de Guiomar de Grammont, sobre a guerrilha do Araguaia, Caldeirão de Cláudio Aguiar, sobre um massacre no início da Primeira República e a bela reconstrução histórica do Brasil entre os séculos XIX e XX de Um mapa todo seu de Ana Maria Machado. No momento, leio o Ribamar de José Castello e estou curioso para começar a ler a reunião dos contos de Alberto Mussa. Atualmente no Brasil, há muitas pessoas escrevendo e escrevendo bem uma multiplicidade de gêneros. O importante é que há espaço para todos.
– Valéria Martins