Navegando para a liberdade

Com sua habilidade natural para tratar temas espinhosos junto às crianças, o escritor e dramaturgo Clovis Levi apresenta uma peça teatral em que a protagonista é o fantasma da pequena Anastácia, escrava e santa popular brasileira, liderando uma revolta de crianças escravas em um navio negreiro. Personagens como a cadela Xinxa e um menino com duas cabeças – que dialogam e brigam entre si – tornam ainda mais encantadora esta fábula sobre escravidão, infância, amor e liberdade.

 

Pela primeira vez você junta em um livro infantiljuvenil seus dois saberes: literatura e teatro. Como se deu essa união? 

 

De forma muito natural, já que escrevo teatro desde os anos 70 do século passado. No século XXI, com o nascimento da minha neta Izadora, comecei a escrever para crianças e adolescentes. Agora, apenas juntei as duas vivências.

 

O tema da escravidão infantil é muito caro a você. Por quê?

 

Não tinha pensado nisso, mas você fez com que eu me lembrasse que também tenho um livro (ainda inédito) sobre crianças-soldado. Talvez tenham sido os meus onze anos na Europa, onde esse horror tem maior repercussão que aqui, e onde encenei um espetáculo com essa temática. Afinal, são mais de três milhões de crianças-soldado em todo o mundo.

 

Anastácia, a escrava, aparece na história como a criança líder da revolução no navio. Você pesquisou sobre essa figura histórica? O que descobriu?

 

A verdadeira Anastácia – que deu origem à santa popular – nasceu livre em Angola, foi raptada e tornada em escrava. Suas características de guerreira e rebelde serviram como elementos perfeitos para que eu a transformasse em protagonista da minha história. Seu fantasma lidera a revolta que restitui a liberdade às crianças escravas no navio negreiro. O fato de, na peça, ela também ser criança, foi uma escolha minha para que ela vivesse seus dias de infância que, em vida, foram roubados pela escravidão.

 

O menino de duas cabeças é um personagem curiosíssimo. O que ele representa?

 

Dramaturgicamente, é um personagem que atrai justamente porque é ‘curiosíssimo’. Metaforicamente, o Duas-Cabeças mostra que o ser humano não é uno: como disse Pirandello*, ‘Sou um, sou cem, sou mil’. Por isso, as cabeças vivem brigando.

 

Tem planos de encenar Navio Negreiro no Mar do Branco do Olho? Como seria a montagem?

 

Pretendo montá-la em 2017 com forte apelo visual na cenografia do navio, trama musical e utilização de árias cantadas em O fantasma da ópera. O humor ficará por conta do Duas-Cabeças e de Xinxa, a cadela invisível. Um espetáculo de teatro, ainda mais para crianças, tem de ter alta dose de comunicabilidade e o meu, assim será.

 

*Luigi Pirandello (1867-1936) dramaturgo, poeta e romancista siciliano.

 

– Valéria Martins

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