A beleza das palavras

As palavras – belas, insólitas, extraordinárias – arrumadas em formas raras e surpreendentes delimitam os versos do primeiro livro de poemas de Fabíola Rodrigues, Carta náutica das desimportâncias (7Letras) com lançamento dia 17 de março, em Campinas/SP. Nesta entrevista a autora conta como a experiência de morar quatro anos em África influenciou sua literatura, entre outros assuntos.

 

 Você morou em África, em Moçambique e Guiné. Qual a lembrança mais forte de cada um desses lugares? De qual gostou mais?

 

Guiné e Moçambique são igualmente especiais para mim, pois a Guiné foi a minha primeira experiência em África e foi ali que senti a intensidade do encantamento do mundo. Nunca me esquecerei da visita a uma comunidade remota, na Guiné Florestal, onde uma criança de três anos, que nunca havia visto um branco, ficou paralisada de medo ao me ver, pois duvidava da minha humanidade – quando me descobriu “gente” como ela me deu um abraço apertado e não quis mais sair do meu colo.

Moçambique foi a minha vivência mais profunda de expatriação e me obrigou a um deslocamento de olhar na direção da alteridade absolutamente sem precedentes na minha história pessoal. Tenho uma lembrança muito marcante do ritual de iniciação sexual de uma menina macua*, do qual participei, onde o peso e a delicadeza da tradição se misturaram na definição do que é ser mulher, trazendo-me sentidos novos para a compreensão do feminino.

*etnia predominante na região norte de Moçambique.

 

Mia Couto é influência confessa em sua literatura. Por quê?

 

Porque Mia Couto tem uma rara capacidade de escuta, uma sensibilidade incomum para captar as nuances das relações humanas, para registrar e por em relação a polifonia narrativa do mundo tradicional, aquele em que a magia ainda não foi expulsa pela razão.  Eu diria que Mia Couto é um arqueólogo da memória capaz, com sua espátula diligente e delicada, de revelar na estratigrafia da sua escrita camadas de sentido da experiência humana inauditas para a maioria de nós.

 

O uso que faz das palavras, assim como a escolha de cada, tudo é muito cuidadoso e delicado em seu livro. Qual é a fonte de onde jorram essas poesias? 

 

Eu tenho um confesso fascínio pelas palavras, sinto-me desafiada por elas, gosto de dizer que meu hobby preferido é jogar xadrez com as palavras. Os sentidos e toda a polissemia que por vezes consigo extrair dessa reiterada prática de enxadrista é produto de um aguçamento do olhar, de uma curiosidade com o mundo, com os sentimentos e com os afetos. A condição humana é a matéria por excelência da minha poética.

 

Você trabalha com Patrimônio Histórico e Cultural. Como é esse trabalho na prática e como ele se reflete em sua escrita?

 

Trabalho diretamente na pesquisa e gestão do patrimônio cultural em Campinas, o que me exige o tempo todo o esforço de unir as pontas do passado e do presente na tessitura de uma narrativa sobre a cidade que permita compreender quem somos. A boa consecução desse trabalho depende de se atentar para as rugosidades, para os detalhes e para as esfoladuras da cidade – um trabalho detalhado de investigação e de bricolagem que não difere muito do ofício do escritor.

 

Quais são seus planos como escritora?

 

Estou preparando um segundo livro de poesias, outro de microcontos e estudando com mais vagar e em profundidade a psicanálise freudiana-lacaniana para um voo de mais fôlego na prosa, que espero culminar na feitura do meu primeiro romance.

 

Foto: Daniel Ditscheiner

Por Valéria Martins

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