Citado por quem entende como um dos autores promissores do suspense nacional, Fernando Barreto começa a colher os frutos de um trabalho persistente. Leitor de Rubem Fonseca, Patrícia Melo e Garcia-Roza, aluno das oficinas de Arnaldo Bloch e Carola Saavedra e recentemente publicado pela pequena editora Caligo, do Mato Grosso do Sul, o escritor carioca reconhece que o caminho é longo mas necessário: “Você conhece uma parte oculta da carreira e decide se quer continuar tentando. Eu segui em frente”. À Oasys, Barreto reflete sobre o papel da literatura – especialmente do gênero que escolheu escrever, conta da rotina de escritor, do projeto de publicar seu novo texto no Wattpad e do livro que acaba de lançar, a novela de terror A forma da sombra.
Seus livros são de suspense beirando o terror. Como e porque esses temas entraram na sua a vida a ponto de influenciar a sua literatura?
A vida pode ser divertida, a ponto de se tornar perigosa, alienante. Precisamos de um choque, por vezes, pra lembrar que há defeitos também. Melhor na literatura que na vida real. Lembro que recebi a notícia da doença que matou meu pai no mesmo momento em que lia Paisagem com dromedário, da Carola Saavedra, livro no qual a personagem Karen descobre estar com a mesma enfermidade. Para mim, que sempre me escondi na literatura, foi tão impactante que resolvi parar de ler. A literatura tem esse papel fundamental, puxar as pessoas de volta. E o terror potencializa essa função. Não se trata de estratégia, de garimpar nichos comerciais. Acredito que a literatura tem a obrigação de transformar o que existia antes dela, e a linguagem do suspense provoca reações mais sensíveis nos leitores, é uma ferramenta. Além de ser divertido.
Você fez vários cursos para aperfeiçoar sua escrita e a criação literária nos últimos anos. O quanto isso te ajudou?
No início, minha ideia era trocar experiência. Nessa época eu estava perdendo a vontade. Tentava escrever romances havia quinze anos, sempre interrompido pela falta de tenacidade, pouco contato com o meio literário. Como eu tinha poucos amigos que se interessavam por literatura, mirei minhas referências e procurei a oficina do Arnaldo Bloch, que tem por objetivo apresentar ferramentas ao escritor que precisa superar bloqueios. Melhor que as ferramentas, o contato com outros autores foi o diferencial. Há gente daquela primeira experiência com quem mantenho contato até hoje. Procurei outros cursos, até que aportei na oficina de romance da Carola Saavedra, que considero o meu ponto de virada. Ninguém aprende a escrever em uma oficina, no entanto, esses cursos foram essenciais para que pudesse conhecer melhor a profissão que escolhi, para ter contato com um lado da literatura que o leitor dificilmente tem.
Seu primeiro romance foi publicado pela pequena editora Caligo, do Mato Grosso do Sul. Como foi o processo para a publicação desse livro?
Meus primeiros textos foram enviados a editoras grandes. Assim que terminei de escrever um primeiro romance completo, em 2010, fiz uma lista com editoras pelas quais gostaria de ver o livro publicado. Demorei seis meses para descobrir que provavelmente ninguém me responderia. Quando terminei de escrever A forma da sombra, minha percepção era diferente. Abracei o projeto da Caligo e sequer enviei para grandes editoras. O livro está sendo bem aceito, a vendagem é pequena, mas as respostas têm sido motivo de alegria. Todo esse processo é longo e necessário. Você conhece uma parte oculta da carreira e decide se quer continuar tentando. Eu segui em frente. César Aira diz que o livro, depois de escrito, deve seguir seu caminho sem grandes impulsos, deve se apresentar por si próprio. Talvez minha obra me leve adiante, não o contrário.
O que acha da literatura policial e de suspense que está sendo produzida hoje no Brasil?
A literatura policial e de suspense brasileira é muito boa. Desde Rubem Fonseca surgem grandes autores de romances policiais, como Patrícia Melo – uma referência direta para mim, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Raphael Montes. No campo do terror, o ressurgimento de uma lenda como R. F. Lucchetti nas redes sociais é um sopro sobre um gênero desprezado no país. Autores com grande potencial, como Diogo Bernadelli, jovem paranaense que escreveu o conto mais impressionante que li em anos, ainda não tiveram a oportunidade de mostrar o trabalho que desenvolvem. O que reprime essa grande oferta é a demanda, ainda em crescimento. Hoje há mais material de qualidade que leitores interessados.
Você também é advogado e fabrica cerveja artesanal em casa. Como se divide entre essas atividades e a literatura?
Minha rotina é simples. Hoje trabalho como advogado autônomo, portanto meu horário é flexível e tenho mais tempo para dedicar à literatura. Prefiro escrever pela manhã e deixar as coisas chatas do dia para depois do almoço. A cerveja é, por enquanto, um passatempo, mas pode se tornar algo maior.
Quais são os novos projetos em vista?
Pretendo rever alguns livros terminados que precisam de maior atenção para se tornarem obras publicáveis e enviá-los a editoras, mas isso toma muito tempo. Mesmo com a rotina carregada, no entanto, estou começando a escrever um texto para publicar no Wattpad, algo que inicialmente pretendia enviar para editoras. A ideia de escrever e ser lido quase simultaneamente me fascinou, tanto pelo risco, quanto pela diversão. Duas coisas que costumam me atrair na literatura.